quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Quem não se lembra do Príncipe Ribamar? - Por Zeca Marques

Seu nome verdadeiro era Joaquim Gomes Menezes. Era alto, de pele escura e andava sempre com uma maleta. Sua profissão era carpinteiro. Ele fazia qualquer tipo de móvel, mas sua especialidade era caramanchão, muito usado na época. Joaquim era rapaz velho, não tinha namorada, era trabalhador, educado e prestativo. Um doutor da nossa sociedade, muito brincalhão, conversando com Joaquim perguntou:
   - Joaquim, por que você ainda não se casou?
   - Eu só me caso um dia se for com uma princesa.
   Daí então todos ficaram sabendo que Joaquim não era normal. Aproveitando-se da sua inocente doidice, algumas pessoas passaram a se divertir com ele. Certo dia, aprontaram uma com ele. Escolheram uma moça bonita, de nome Dolores, a qual lhe foi apresentada como sendo a Princesa Gioconda, destinada a ser sua legítima esposa. Depois desse encontro "amoroso" a Princesa despediu-se de Joaquim, prometendo escrever-­lhe. A partir daí Joaquim Gomes Menezes passou a se chamar "Príncipe Ribamar".
    Dois amigos nossos (um deles já falecido, o Audísio Pires) aproveitando a inocência de Joaquim, começaram a escrever cartas endereçadas ao Príncipe Ribamar. As cartas eram carimbadas com a coroa real e assinadas pela Princesa Gioconda. Uma dessas cartas falava da remessa de 5 trilhões de dólares para instalação de uma Fábrica de Fumaça em Juazeiro.
    O Príncipe Ribamar ficou tão entusiasmado com essa carta, que fez a planta do prédio a ser construído, num subterrâneo na Serra do Horto, para não ser alagado quando o Rio Jordão, "Rio Salgadinho", desencantasse. O Senhor Almino Loiola Alencar, Gerente da Subagência do Banco do Brasil de Crato em Juazeiro, foi até ameaçado pelo Príncipe por não liberar a suposta verba enviada da parte da Princesa Gioconda.
    A segunda obra de grande vulto do Príncipe Ribamar, era mudar o curso do rio que passava por Barbalha, para então Barbalha ficar do lado de cá pertencendo ao município de Juazeiro.
    Mais tarde outras gozações surgiram. O nome foi aumentado para Príncipe Ribamar da Beira Fresca. Deram-lhe uma Carteira de Identidade Real, na qual constava que ele era filho do Rei Takoku na Cara com a Rainha Pé-de-boga e seu sangue era azul real lavável. Quando havia alguma solenidade cívica, como o Sete de Setembro, lá estava o Príncipe junto às autoridades do município, vestido a caráter com a sua vistosa farda de  “imperador”. Inventaram que o Príncipe ia instalar uma fábrica de fumaça. Disseram também que ele iria criar em Juazeiro a Cavalaria Marítima.
    Assim que meu filho Valter se formou em engenharia civil, o Príncipe, tomando conhecimento de que ele se encontrava em Juazeiro, foi procurá-lo em nossa casa para mostrar-lhe algumas plantas dos projetos das fábricas que deveriam ser construídas em Juazeiro. Ele queria que meu filho administrasse as "obras"
    Coitado do Príncipe, morreu e não realizou os seus sonhos. Apesar de tudo, o Príncipe era uma figura muito querida na cidade. Era também respeitado. Ninguém zombava dele abertamente, como acontecia com os loucos em geral. As pessoas o abordavam na rua e paravam para ouvi-lo atentamente, embora fazendo de tudo para conter o riso, que era inevitável, por causa das coisas mirabolantes que ele falava. Para se ter uma ideia do quanto o Príncipe Ribamar era querido, basta dizer que ele foi alvo de reportagens em jornais de Fortaleza e chegou a ser homenageado em verso por vários poetas juazeirenses. A morte do Príncipe Ribamar causou grande consternação na cidade. Saiu até na imprensa como notícia de destaque. 
(A foto que ilustra esta matéria foi cedida pelo jornalista cratense Huberto Cabral)
O AUTOR
José (Zeca) Maques da Silva, juazeirense, ourives, memorialista da história de Juazeiro do Norte, autor de vários livros.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Viva o Príncipe

Há muito tempo estávamos a procura dessa foto do nosso saudoso Príncipe Ribamar da Beira Fresca em seu traje de realeza. Já havíamos publicado outras fotos dele no Juaonline, mas nenhuma desse jeito e colorida. Quem nos presenteou com esta relíquia histórica foi Marconi Edison Pereira Carneiro hoje radicado em Salvador, casado com a juazeirense Célia Pita, filha de seu Ivo Pita, um dos mais conhecidos ourives de nossa cidade, já falecido. A foto que ele nos mandou foi digitalizada a partir de um slide já bastante castigado pelo tempo, mas conseguimos dá uma melhorada. As gerações atuais não conheceram o Príncipe Ribamar, mas quem viveu na época dele, principalmente nos anos 60 e 70 dele deve guardar boas recordações. Em épocas de festas cívicas, como o desfile de 7 de Setembro, ele era figura de destaque com sua roupa de gala no palanque das autoridades. Em seus delírios de grandeza apresentava-se e se comportava como se fosse um príncipe de verdade e, como tal, era tratado e respeitado pela população juazeirense que nunca o maltratou moralmente. Todo mundo gostava do Príncipe. Ele era uma figura folclórica e ao mesmo tempo histórica, foi homenageado com música pelo compositor e cantor juazeirense Luis Fidélis e tem em nossa cidade uma rua com o seu nome, no Bairro Carité.
Viva o Príncipe!
Fonte: www.portaldejuazeiro

Príncipe Ribamar, o sonhador de Juazeiro

Juazeiro do Norte possui na sua história figuras populares que ficaram conhecidas por sua arte, por atuações religiosas e algumas por serem consideradas "loucas". Quem viveu na cidade até umas duas décadas atrás relata várias histórias de pessoas que precisavam de algum acompanhamento psiquiátrico e, desamparadas, circulavam pelas ruas, recebendo apelidos, sendo alvo de chacotas e outras invencionices em prol da "brincadeira".

Um dos personagens que entrou para a história de Juazeiro sob este prisma foi o Joaquim Gomes Menezes, que ficou conhecido na cidade pela alcunha de Príncipe Ribamar da Beira Fresca. Em texto , o escritor Daniel Walker afirma que o Príncipe Ribamar "era apenas um sonhador, um visionário, uma figura popular da cidade de Juazeiro do Norte e pessoa muito querida por todos que o conheceram". Por sua vez, o professor, historiador e sociólogo Titus Riedl classifica-o como "o personagem mais rico da história de Juazeiro".

Em vários relatos sobre o Príncipe Ribamar temos o depoimento de que se tratava de um exímio carpinteiro, que abandonou a profissão para perambular pelas ruas de Juazeiro e mostrar as condecorações recebidas, simbolizadas em medalhas penduradas na sua incrementada vestimenta. O Príncipe Ribamar faleceu em 1978 e hoje nomeia uma rua no bairro Carité, em Juazeiro.
Fonte: oberronet.blogspot.com.br

Sua Majestade o Príncipe Ribamar - Por J. Ronald Brito

Todas as cidades têm os seus tipos folclóricos e Juazeiro não podia ser diferente. Entre os seus, figurava o Príncipe Ribamar da Beira Fresca (Joaquim Gomes Menezes) que mesmo desajuizado trabalhava e era um fino marceneiro. Na sua mente fraca, ele pensava ser um príncipe muito rico e poderoso, que ia se casar com a princesa Gioconda.
   Como todos os príncipes, ele também tinha o seu fardão de gala, com dragonas, alamares, faixa e muitas medalhas. Morava na mesma rua que eu, a São Francisco e todos os dias passava em frente à minha casa em direção do trabalho.
   A qualquer ato social da cidade, mesmo sem ser convidado, ele comparecia em traje de gala, ocupava sempre o lugar de autoridade e ali permanecia empertigado, cheio de ares altivos.
   Quando o General Henrique D. Teixeira Lott, fazia sua campanha para a presi-dência, visitou Juazeiro e quando subiu ao palanque o primeiro a cumprimentá-lo foi o "Príncipe", como ninguém havia lhe apresentado aquela figura saída dos contos de fada, o militar ficou intrigado e de vez em quando, olhava para o "ma-nequim", talvez pensando de quem se tratava:
   - De onde terá saído esta "coisa" e que patente é esta?
   E assim o candidato permaneceu, até que um seu assessor percebendo a ansie-dade do General, informou-o de quem se tratava.
PLANO DE EVACUAÇÃO
O Príncipe Ribamar, vez por outra aparecia com um "plano ousado" para enfrentar obstáculos na sua cidade ou na região caririense. Quando um inverno pesado destruiu a ponte sobre o rio Salamanca, que ligava     Barbalha às outras cidades ele imediatamente apresentou o seu "plano" de evacuação aos ilhados para Juazeiro, que tinha dois itens no mínimo curiosos: 
- "Primeiro traremos Santo Antônio, o padroeiro da cidade por Missão Velha e depois o cabaré, por cima da Serra do Araripe via Crato".

O AUTOR
José Ronald Brito, cratense, morou algum tempo em Juazeiro do Norte, coronel reformado da Polícia Militar do Ceará, escritor com vários livros publicados.


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Sua Majestade Ao Príncipe Ribamar - Por Eduardo José Pereira Matos

Com títulos de reinos incabíveis,
Guardados em finíssimo escrínio,
Na ilusão de ter tronos e domínio,
Ribamar sonha coisas impossíveis.

Seus tesouros são tão inconcebíveis,
Próprios das mentes em letal declínio.
Traz dragonas na farda incredíveis
E medalhões com brilho em extermínio.

Fala em realizações impraticáveis,
Em projetos vultosos e infindáveis;
Indica nomes, fatos enumera.

Por Príncipe conhece-o a cidade.
E o povo que lhe deu a majestade
Deu-lhe as chaves argênteas da quimera.

(O autor explica como surgiu este poema.
Estávamos, João Aécio Sabiá e eu, na esquina da Rua Santa Luzia com São Pedro, numa longínqua tarde de 1964, quando o Príncipe, solícito, aproximou-se de nós dois, mostrando-nos um volume de papéis que dizia ser títulos do tesouro nacional que lhe mandara o presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, a fim de transformá-los nos recursos indispensáveis para construção de uma fábrica de fumaça. Ouvimo-lo atentamente, pondo mel na sua loucura. Ao retirar-se, meu companheiro lançou-me um repto: "Escreva uns versos sobre o Príncipe". Ali mesmo os compus. Propondo-se fazer-me um regalo, Everardo Nobre, de saudosa memória, cuidou de os divulgar posteriormente, veiculando-no livreto Figuras Antológicas de Juazeiro, Promoção: Clube dos Poetas Juazeirenses.

O AUTOR
Eduardo José Pereira de Matos, juazeirense, bancário aposentado, advogado.

O nobre Ribamar - Por Cecília Sobreira

Era uma vez, no árido sertão nordestino, um homem que virou príncipe. Seu nome era Joaquim Gomes Menezes, nascido e criado em Juazeiro do Norte, excelente carpinteiro e uma pessoa de bom coração. Certo dia, veio ao seu encontro, uma jovem mulher, muito bem vestida, dizendo-se princesa. No meio de sua conversa, proposta de casamento e um mundo de nobreza.

Daquele dia em diante, Joaquim ele deixou de ser. Aos poucos abandonou sua profissão e tudo o mais que o ligava ao mundo dos plebeus. Encomendou novas e galantes vestimentas, ganhou identidade real e, por anos, alimentou a ideia de ser um príncipe: Príncipe Ribamar da Beira Fresca. Assim ele circulava pela cidade, imponente, sempre com uma maleta à mão.

A princesa nunca mais voltou, mas vez por outra, chegavam às mãos do príncipe, cartas escritas por uma certa Princesa Gioconda, do reino da Eslóvia.

Uma dessas cartas dizia que estava sendo enviada pela corte real grande quantia em dinheiro para ser entregue ao Príncipe Ribamar, o que causou considerável transtorno entre o príncipe e o gerente do banco local.

Apesar de muitos duvidarem de sua nobreza, Príncipe Ribamar era querido pelas pessoas da cidade, sendo figura constante nos palanques em dias de festa. Seus planos e projetos eram dos mais grandiosos e criativos, como desviar o curso do rio que passava pela cidade de Barbalha, para que este fizesse parte do município de Juazeiro do Norte. Também fez a planta de um prédio que deveria ser construído no subterrâneo da serra do Horto, para que não fosse alagado quando o Rio Jordão (na realidade Rio Salgadinho) desencantasse.

Príncipe Ribamar morreu sem conseguir construir as fábricas (de fazer fumaça ou desentortar banana) ou criar a cavalaria marítima que planejava. Também nunca soube que a Princesa Gioconda não passava de uma brincadeira ocorrida no carnaval, assim como a identidade real da mesma, ou a autoria das tão famosas cartas. Mas, como todo príncipe que se preze, sua morte foi notícia de jornal e hoje existe uma rua com seu nome. Provavelmente nunca mais ouviremos falar de um príncipe juazeirense com sangue azul real lavável.

Cecilia Sobreira 
(Revista Geral, abril de 2013)

A AUTORA
Cecília Sobreira, juazeirense, jornalista, empresária do ramo gráfico, editora da Revista Geral.

O Príncipe Ribamar - Por José Wilker

Imagine uma pequena cidade do interior do Ceará aí pelos primeiros anos da década de cinqUenta. Imagine Juazeiro do Norte nessa época. Aconteceu lá isso que eu vou contar. Pode ser que não tenha sido assim, mas é assim que eu me lembro e é assim que eu conto. Havia lá um príncipe que se chamava Ribamar. Sempre vestido em seu traje de gala, todas as condecorações derramadas no pei-to, a solenidade atrapalhada pelas sandálias de dedo e um chapéu-coco. Com chuva ou com sol, ele descia a Rua Grande de Juazeiro todas as tardes, vindo de lugar nenhum e indo para nenhum lugar. Debaixo de um guarda-chuva branco, ele passeava sua solidão. É que o príncipe era noivo. A noiva morava num lugar distante, do outro lado do Oceano Atlântico. A viagem era uma aventura e ela demorava a chegar. O navio em que ela vinha, ele contava, enfrentando piratas, dragões, sereias e a inveja de outros príncipes preteridos, tardava, mas o amor era imenso e o mar pequeno. Ela, estava escrito, um dia chegaria. Conheci o príncipe já perto dos anos 70 e, diziam, desde jovem ele esperava. A quem lhe perguntasse ou duvidasse, ele exibia as apaixonadas cartas de amor que ela escrevia e, para os mais incrédulos, o seu retrato. Com dedicatória: ao príncipe do meu coração, todo o amor da sua Gioconda da Vinci. O príncipe Ribamar era noivo da Gioconda, de Leonardo da Vinci. Para muitos, o príncipe era maluco, um pobre coitado com o cérebro derretido pelo sol do sertão. Riam dele, roubavam e escondiam o retrato da Gioconda. Nestes momentos, o príncipe se imobilizava, uma explosão de dor o congelava. Eu me lembro dele, assim privado da sua amada, feito uma estátua no meio da praça. Parecia tão triste e ausente de si que, eu juro, flutuava a meio metro do chão, pendurado no guarda-chuva branco. Quando uma alma boa lhe devolvia seu bem mais precioso, a felicidade saltava dos seus olhos como um raio na tempestade. Talvez ele fosse realmente louco. Mas uma loucura que fazia nascer uma tal felicidade e uma felicidade que vinha de um amor tão grande me deixavam na dúvida.
E, um dia, a dúvida se dissipou. Cansado do descrédito e do deboche em rela-ção ao seu noivado, ele decidiu apressar seu encontro com a noiva. Chega de navios, ela viajará por via aérea. Para uma platéia de invejosos, ele leu o telegrama: embarco hoje Roma-Juazeiro vg via Pannair do Brasil pt amor pt Gioconda da Vinci. Depois de um pequeno silêncio cheio de ironias, alguém perguntou: e o avião desce onde? Foi quando o príncipe resolveu construir um aeroporto. Depois de um tempo lutando para conseguir adesões, argumentando com uns e outros para que lhe ajudassem a preparar o terreno, montou uma pequena tropa de trabalhadores e começou a  construção. Havia quem trabalhasse apenas por farra, mas o príncipe não tentou enganar ninguém. Todos seriam pagos. Afinal, Gioconda trazia na sua bagagem o tesouro do seu dote. Ribamar, sem nenhuma ambição material, todo amor, prometia dividir aqueles bens entre os que o ajudaram.
Um belo dia, o aeroporto ficou pronto. Ou melhor, uma longa clareira aberta no Vale do Cariri, delimitada de um lado por um jardim plantado com capricho e, de outro, por um pomar onde faziam sombra juazeiros e mangueiras. E Ribamar esperou com seus companheiros. Os dias se passaram, os companheiros se foram e ele continuou esperando, só. Não sei quanto tempo ele esperou. Na cidade, ninguém mais falava ou lembrava dele. De repente, num domingo de sol nordestino, Ribamar reapareceu. Todo de branco, com aquele ar de quem viu Deus, dirigiu-se para a Matriz de Nossa Senhora das Dores, ajoelhou-se diante do altar e esperou. Aparentemente ia se casar. Ninguém se preocupou com ele. Foi esquecido e lá dormiu. Na manhã seguinte segurando um buquê, caminhava de volta para sua casa, que ninguém sabia onde era. Depois desse dia, não o vi mais. Minha família mudou-se para Recife e, durante muito tempo, Juazeiro era uma lembrança, nada mais. Nunca mais soube do Ribamar. Entretanto, o atual aeroporto de Juazeiro do Norte, trazido pelo progresso, foi construído sobre o terreno aberto  por Ribamar para a chegada da sua Gioconda. Eu acho que, por justiça, deveria ser chamado de Aeroporto Príncipe Ribamar.
(Extraído da Revista Globo Rural, 1995,
O AUTOR
José Wilker, ator de cinema, teatro e TV, juazeirense, falecido em 5 de abril de 2014.